terça-feira, 30 de setembro de 2008

Se uma criança chora, a gente procura dar conforto. Abraçar. Mas e se o choro vem de dentro? Como abraçar a si mesmo, confortar o interior próprio? Se o espinho fura a pele de dentro pra fora, minhas mãos, inócuas, meus dedos formigam desespero inoperante. É como se rasgasse assim, lentamente, de dentro pra fora. como amplificar o desespero mudo, que se resolve em uma gota que despenca e cai. Vermelha. 'Ein Deutsches Requiem' de Brahms na vitrola. Atemporal. Inesgotavelmente forte como eu deveria ter sido. Engraçado como a música que celebra a morte é linda e viva. Forte. E se ela decompõe-se em vozes musicais muito bem regadas com doçura, então minha morte será também assim: mais doce e tenra do que o espinho que reverbera angústia dentro de mim.

domingo, 6 de janeiro de 2008

Espinhos. Frio. Urtiga. Desníveis. Picadas. Calor. Feridas. Andei por dias dentro da floresta espessa e escura, até que raios de sol fossem mais do que simples miragem [surgindo como espadas que cravam no solo e nas folhas verdes sua lâmina dourada e impiedosa].

Minha pupila se ajusta aos novos níveis de luz.

Agora, aqui, é latente a gama de verdes e formas e tudo com que a natureza me banha.

Sento e enfim respiro na clareira que me é dada.


[contemplar.]



[mais.]




Quando tudo parecia verde e marrom, obra-Natureza, um brilho me cega. Um portão imponente de barras verticais em cobre e colosso se impõe solene à minha frente, adornado em esquecimento mas incrustado de História intemporal, em um Tempo bergsoniano*. Sem nenhum vigia, sem presença humana detectável, sem cadeado na sua entrada. Basta vencer sua inércia e ultrapassar suas linhas.

Às vezes a verdadeira barreira a se vencer não está fora da gente, e sim dentro. Algo em mim não me deixava ir, ao mesmo tempo que uma força sutil [como um pequeno demônio ao pé da orelha] me crispava de ímpeto - cada vez mais - para transpor aquele limite-em-cobre. Simplesmente adentrar.

Minhas forças, escassas. Minha esperança era o que me sobrava de mais forte. Peguei-a e docemente a enrolei em um caule fino de uma margarida com um pedaço de raiz verde (arrancada por ali mesmo, naquele momento). Mal se via a flor escolhida, escondida que estava entre tufos de uma planta-parasita espinhenta.

Despido de minhas esperanças, entrando não sei porquê, simplesmente meu corpo rumava empurrado pelo sol.

Assim, os portões do Inferno ficaram para trás.




... e o encanto** (também verde) se enrosca, aguniado, no caule fino daquela margarida comum - tendo o sol, e apenas ele, como testemunha.











[texto livre inspirado na frase "Vós que aqui entrais, deixai la fora todas as esperanças - Dante." lida no blog Devaneios Desvairados, de Jéssica Amâncio. (brigado, Jé! :)

pra exclarecer: nunca li o livro (espero um dia, com calma, poder corrigir isso), simplesmente a frase me sugeriu essa passagem.



* Em Bergson, o presente coexiste com o passado e o futuro. Cabe à memória distinguir os eventos separadamente. O Tempo é uno.

** "A idéia do futuro, prenhe de uma infinidade de possíveis, é pois mais fecunda do que o próprio futuro, e é por isso que há mais encanto na esperança do que na posse, no sonho do que na realidade." Fonte: Ensaio sobre os dados imediatos da consciência", de Henri Bergson.

terça-feira, 6 de novembro de 2007

Viver é sentir o vento
batendo no peito nu
numa noite fresca depois de chuva forte.

Viver é sentir o pianar
das gotas de chuva
que dedilham percussão de som seco
em noite molhada de verão que se antecipa.

Viver é tentar entender a nossa pequeneza
frente à imensidão de cada estrela-pontinho-no-céu,
[mesmo que agora as nuvens tomem conta do mundo acima de nossas cabeças]

Olhar pra fora e sentir aqui dentro é viver.

segunda-feira, 5 de novembro de 2007

Acredito em átomos?

Naqueles serezinhos redondos e simpáticos, quase bonachões,
que cismam em orbitar por aí?


Acredito em árvores. E no vento - no minuano, ainda mais!

Dar crédito é construir - é compor e viver dentro de sua composição,
seja ela harmônica ou não.


Acredito em Manoel, que de Barros tira poesia.
aprendi a nadar nelas, nestas,
e é um santo remédio!

Santa poesia, acredito em algo mais?

Ao gosto dos Anjos, vomitei sangue coalhado
quando afirmaram que o Homem é bom.
Sim, claro... a sociedade que o corrompe. Mas que é a sociedade?

Por isso acredito que o Universo está em sua fase de contração. Tudo se aglutina. Contrariando as mais novas aceitações astronômicas, quero que seja ao contrário: nada de expansão, o Universo se contrai. Pq assim, rezo ao meu jeito pela comunhão. Cósmica. Se o Universo se contrai, tudo cada vez mais se aproxima, é como se tudo-todos fossem pra dentro da mesma ínfima gaveta (de volume tão ridiculamente pequeno que não se dá medida). É como se no final de tudo riscássemos do mapa as dimensões, apagássemos do dicionário o verbete "espaço" e o Tempo reinasse soberano.



[até que um sopro inicie o que, bilhões de anos mais tarde, será chamado de Big Bang...]

sábado, 3 de novembro de 2007

Do outro lado da rua tem uma flor.
Babilônia urbana.
Talvez, se eu atravessasse, poderia...

- Carros -

Do outro lado cinza da rua tem uma flor.
Violência urbana.
Cabanas de papelão povoam o asfalto duro e sujo.
Talvez, de cabeça em pé, poderia...

- Álcool -

Do outro lado cinza da rua escaldante tinha uma flor.
Carência urbana.
de dignidade, respeito, afeição.
Não mais nos afeta.

- Urbanos -

Pode até ser que, de um jeito ou de outro,
do outro lado – ali, bem perto! – do outro lado da rua,
eu realmente esteja vendo (e sentindo o cheiro)
de uma flor, pseudo-flor, caramujo-flor,
que lesmamente se arrasta cada vez mais
para longe de mim e da brutalidade urbana
que não cessa desabrochar.

sexta-feira, 2 de novembro de 2007

Tem gente que risca a nossa vida.

Tem gente que trisca, apenas, e se vai rodopiando:

ao longe vejo o balé triscado rodando e indo.


Pessoas que riscam, na verdade talham. Corte na pele d'alma.

[ muitas vezes essa ação não surge acompanhada de dor, e sim de prazer. ]

E o corte pode ser profundo ou superficial, e pode ser para o sempre.

Tudo pode. E, pra terminar com um chavão,

o que não pode é mais gostoso.

quinta-feira, 1 de novembro de 2007

Apague da folha branca a palavra.

O que resta?

O borrão-palavra do lápis apagado é memória. Memória apenas pra quem escreveu e sabe. O borrão-palavra é prova do tempo pra quem chegou depois, é um "alguém esteve aqui antes", é prova de que não estamos sozinhos no mundo. Impressões de mundo apagadas geram curiosidade e atiçam o espírito investigativo do Homem. O que foi escrito aqui? Pq não posso ler?

A curiosidade matou o gato.